quarta-feira, 29 de julho de 2009

Âncora



A minh' alma andou quase a vida toda à procura da serenidade nunca antes tida.
Quase a vida toda, mas não toda a vida. Felizmente.
Após ter saltado muros de arame farpado, ter pisado areia escaldada que me queimou os pés, consegui chegar ao mar.
Jamais esquecerei esse momento. Nesse tempo era o meu corpo que me acompanhava nas visitas semanais a Lisboa, que enfurecidamente era forçada a entrar naquele prédio, cujo cheiro penetrava nas minhas narinas de uma forma tão intensa que me fazia esquecer de tudo. Naquele lugar, esquecia que havia vida lá fora, que o céu era maravilhosamente azul, que as estrelas brilhavam quando nos ríamos, que o sol era belo como o dia em que vim ao mundo. Esquecia facilmente tudo isso, sobretudo quando um senhor a que chamavam médico vinha com ar demasiadamente sério falar comigo.
Até hoje não sei se, na realidade, aquele Homem era totalmente médico ou se tinha uma mão de Deus. Não tenho a certeza. Ninguem tem, mas eu acredito.
Nem tudo explica científicamente um momento, que foi sem dúvida uma conjugação das duas coisas mais perfeitas do mundo. A medicina e a fé.
Foi exactamente nesse momento que senti a liberdade e a serenidade dentro de mim.
Ao contrário do que se é dito, esses sentimentos persistiram quando estava dentro do meu barco. No mar.
Quando soube que tinha conseguido ultrapassar todos os muros de arame farpado, não mais saí do barco, não mais saí do mar.
Para que tudo não voltasse de novo, fundeei a âncora.
Ao observar que estava segura, deitei-me no barco, abri os braços e fui levada pelo vento numa viagem nunca antes percorrida.
Encontrei a liberdade.
Respirei serenidade e sorri.
Afinal, científicamente explica-se que uma âncora tem como objectivo dar segurança ao barco para que ele não se desloque.
Mas....não se explica científicamente a razão de uma simples e humilde âncora trazer ao Homem aquilo que ele não conseguiu obter durante toda a sua vida.

Dedicado a todas as pessoas que nunca tiveram uma âncora, lembrando-as que eu encontrei a minha porque acreditei que ela existia.

Quando encontrarem uma, guardem-na bem e não a voltem a içar.